Monday, February 15, 2010
Caterpillar
por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com
Já chegando à metade da competição esse ano, e a gelada Berlim (temperaturas sub-zero há quase uma semana) revela-se uma das seleções mais felizes das últimas edições. Um destaque de hoje, por exemplo, foi o muito estranho filme japonês Caterpillar, de Koji Wakamatsu, típica sessão das gargalhadas isoladas, sinal de incômodo no recinto e obrigatórias em todo festival que se preze. É um ensaio sobre os efeitos da 2a. Guerra Mundial sobre a sociedade japonesa, feito com, aparentemente, muito pouco dinheiro, mas com idéias fortes de como expressa-las poeticamente.
É a história de um soldado que volta da guerra um herói condecorado, mas desfigurado, surdo, mudo, sem braços nem pernas. Obviamente que lembranças de Johnny Vai à Guerra (Johnny Got His Gun, 1972), de Dalton Trumbo, vêm à mente, mas Caterpillar desdobra o conceito.
Essa sobra machucada de um ser humano passa a ser conhecida na sua pequena comunidade agrícola como “O Deus da Guerra”, levado em passeios semi-oficiais num carrinho de mão, de chapéu e uniformizado, pela sua mulher, de quem a sociedade espera que exerça suas funções heróicas de esposa, ao lado do marido herói.
Além do impacto desse “Deus da Guerra” na sociedade japonesa (a máquina patriótica o torna um orgulho famoso), Caterpillar nos mostra para máximo efeito a intimidade dessa vida a dois. As únicas formas de comunicação entre o soldado e sua mulher são o sexo e a alimentação, uma vez que, descontadas as condições físicas desse homem, ele continua saudável para comer e copular, com voracidade.
Rodado em vídeo, com uma estética curiosa de produto eletrônico já quase retrô, com inserções momentâneas de imagens de arquivo da Guerra transmitindo uma sensação palpável dos efeitos do conflito sobre os japoneses, Caterpillar é uma sessão difícil.
É possível que o sexo nunca tenha sido filmado nesses termos no cinema, agregando ainda um mal estar formidável sobre as lembranças sórdidas desse soldado no conflito, assim como o estado de espírito fragilizado da esposa, presa entre ser serviçal, cozinheira e objeto sexual. Não seria uma surpresa se Caterpillar sair de Berlim com algum prêmio importante.
Filme visto no Berlinale Palast, Berlim, Fev 2010
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