Essa aqui é pra quem acha Michael Haneke um ranzinza.
Uma das crianças estranhas.
por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com
Um dos filmes mais aguardados da seleção esse ano em Cannes era Das Weisse Band (A Fita Branca), a nova obra de Michael Haneke, o diretor de A Professora de Piano e Caché. O filme passou ontem, impondo o tipo de respeito que o cinema desse alemão radicado na Áustria normalmente impõe e, desta vez, com amplas chances de atrair a atenção positiva dos mesmos detratores de sempre, que detestam o diretor e sua capacidade de desafiar a platéia com momentos extremos. Seu novo filme não parece precisar narrativamente do fator choque, mas investe num mal estar misterioso facilmente associável à obra de Roman Polanski nos anos 60.
Haneke tem tela cativa no Festival de Cannes e a cada novo filme seu há a expectativa de que ganhe a sua Palma de Ouro, sensação que acaba de ser renovada após a projeção desse filme, embora eu não concorde exatamente com essa noção. Esse filme me pareceu o equivalente de um livro bem escrito e descrito, sua força parece acontecer talvez após a sessão a partir de um registro um tanto estudado ao extremo, mesmo para os padrões cerebrais desse autor.
De qualquer forma, é um dos maiores nomes do cinema mundial, sua obra marcada por filmes precisos que investigam a representação via imagem e violência, e nesta década, questões sociais fortes que casam bem com a sua mudança para a França, onde trabalha.
Das Weisse Band, na verdade, é o seu primeiro filme falado em alemão desde o primeiro Funny Games (1998). Haneke apresenta um filme de época, em preto e branco, ambientado em 1913-14 numa pequena vila alemã. Seu estilo preciso de filmar (planos perfeitamente compostos e fixos, movimentos desenhados a régua de uma câmera que desliza) continua intenso.
No entanto, há desta vez uma narração que humaniza bastante os desenvolvimentos duros da sua narrativa, uma série de acontecimentos discretamente tensos que sugerem um filme de horror que nunca realmente se assume como tal. Haneke sabe que o espectador irá preencher esse horror com uma visão geral da história da Alemanha na primeira metade do século 20, que todos conhecemos muito bem, e o filme funciona como a análise de uma pequena semente.
Nosso narrador, com a voz de um ancião, nos narra a história como lembranças distantes de um tempo em que acontecimentos misteriosos começaram a marcar a vida na pacata vila rural, povoada por uma população reprimida pela religião e pelos rígidos costumes. O lugar é um cartão postal perfeito, contraste clássico para a feiúra humana que ali habita.
Há uma agressão perturbadora a um garoto com problemas mentais, a perseguição de um homem cujo nome talvez seja judeu (em nenhum momento isso é explicitado, ou anti-semitismo mencionado), um incêndio, um acidente provocado de cavalo. Na ética local de medo e retaliações, ninguém sabe e ninguém viu, algo que chama a atenção do professor da escola (Christian Friedel), o narrador, então jovem.
Algo o leva a acreditar que as crianças do lugar são a chave do mistério, reprimidas pelos pais e pela igreja, e com pelo menos um caso de incesto e abusos sexuais. Talvez elas estejam colocando em prática, e ao pé da letra, os valores que recebem, idéia que perturba cada vez mais o narrador. Se lembrarmos que essa geração será adulta nos anos 20 e 30, e que tomarão posições de poder, Das Weisse Band agrega um peso e tanto como cenário social de uma época e de um lugar.
Como sempre no cinema autoral de Haneke, há um flerte não assumido com gêneros de cinema, e esse aqui sugere um filme de suspense que talvez Polanski teria feito. A imagem de grupos de meninos e meninas loiros sempre com a expressão vazia de que andaram fazendo alguma coisa, ou presentes em lugares onde não deveriam estar. Há uma carga e tanto de mistério e ameaça, e não é difícil lembrar de A Vila dos Amaldiçoados (Village of the Damned, 1960), ficção científica inglesa (refilmada por John Carpenter em 1995) sobre crianças malévolas e loirinhas.
Na coletiva de imprensa, Haneke disse que prefere ver seu filme como uma crônica sobre o mundo, e não tão especificamente sobre a Alemanha. “Concentrar as idéias no fascismo que abateu a Alemanha pode significar lavar as mãos e achar que o problema não existe em outros lugares. É um filme sobre o mundo”.
Sobre ter feito o filme em preto e braço, Haneke explicou que “nossa referencia iconográfica daquele período, no início do século 20, é a de imagens, fotográficas ou de cinema, em preto e branco. Além disso, o P&B nos libera das convenções do realismo.
Perguntado se o filme tem referências ao trabalho de outros diretores, o cineasta respondeu que “sempre tenho inúmeras referencias na minha cabeça, mas espero que o filme seja Hanekeniano”.
Filme visto na Sala Bazin, Cannes, 20 de maio 2009
Thursday, May 21, 2009
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2 comments:
Lembrar também do prólogo de "Who Can Kill a Child" - o mais extremo dos filmes de crianças estranhas.
P.S. off-topic: em tempo, digam "não" às críticas de Twitter! Já bastam os resumos com bonequinhos e estrelinhas...
Continuo desconfiado do Michael Haneke....
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