Saturday, May 23, 2009
Enter The Void (competição)
por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com
Tudo o que você sempre quis saber sobre a origem da vida e os mistérios da morte formam o eixo temático de Gaspar Noé no seu novo filme, Enter The Void, filme que parece crer ter solucionado nossos grandes mistérios. Eu nunca tive grandes problemas com os dois filmes dele que eu tinha visto, Seul Contre Tous (1998) e Irreversível (2002), até os admiro, mas esse aqui me pareceu perdido nas suas ambições, sejam elas temáticas e, principalmente, estéticas. De fato, eu saí da sessão me sentindo uma lâmpada instalada num teto.
Esse plano lâmpada é o plano preferencial de Noé no filme, sobre um rapaz americano que mora em Tóquio e envolve-se com drogas em vários níveis, não apenas ao tornar-se um junkie, mas também transformando-se num traficante que encontra triste fim na bala de uma blitz da polícia japonesa, no banheiro imundo de uma boate. Muito útil que, minutos antes, um amigo lhe falava do Livro dos Mortos, teorizando sobre o que exatamente acontece quando o espírito deixa o seu estado físico, percorrendo o mundo de maneira penada e livre, ainda apegado ao mundo material.
Portanto, lá vamos nós, flutuando para fora do nosso personagem, que desde o primeiro frame de Enter The Void se apresentava em pontos de vista subjetivos, sua cara vista apenas no momento em que olha-se no espelho. Bom que fique claro que Noé realmente leva a sério a câmera subjetiva, pois a imagem vem até mesmo com as piscadas de olho, escurecimentos de milisegundos na imagem.
Com essa versão de duas horas e 30 minutos, Noé, um formalista que seria nome exemplar num curso de cinema para ilustrar o termo, de fato esforça-se para nos dar um filme como nenhum outro, e, bom que fique claro, ele consegue. O que realmente vira um problema para o filme é a obviedade infantil do todo. As idéias aqui apresentadas (e a fé nessas idéias) sugere uma mente adolescente impressionada com o tema, e com as drogas.
Antes de morrer, nosso herói experimenta um fumo extra forte, que queima, claro, a sete centímetros da lente da câmera, na nossa cara, como se estivéssemos fumando. E lá vamos nós viajar com o cara, versão um pouco mais elaborada do Visualizer do iTunes, tomando a tela scope do Lumière. Durante uns cinco minutos, formas geométricas coloridas acrescidas daquele eco de caverna que tem sido um sucesso no cinema contemporâneo são o que há no filme.
O rapaz tem uma irmã, relação bonita entre os dois, mas pelo baixo astral generalizado de suas vidas, flashbacks (tudo ainda em primeira pessoa, ou “nuca cam”, lente imediatamente atrás da cabeça dele) nos mostram o porquê de serem problemáticos, pois, é claro que uma tragédia familiar espetacularmente bem filmada será exibida.
Noé, portanto, transforma as frescuras de David Fincher com câmeras que passam por dentro de fechaduras e asas de xícara num exemplo de economia. Enter the Void é todo composto por planos seqüência digitalizados tão infindáveis quanto previsíveis, ao ponto de o espectador não conseguir mais ver um buraco que seja, ou uma lâmpada acesa, principais portais para a próxima cena, e lá vamos nós novamente atravessar paredes, ralos, buracos de bala, entrando e saindo da vagina da irmã e no momento mais filosoficamente corajoso do filme, estamos presos entre a vagina e o útero com a cabeça de um pênis indo e voltando como um coelho indeciso na sua toca.
As deixas visuais já haviam sido vistas em Irreversível, especialmente sua fixação com tetos, provável espaço favorável para transições digitais imperceptíveis. Na verdade, Enter The Void, independente do quão simplório e previsível seja, pode ser visto como uma experiência técnica radical inédita, que inclui até mesmo o que me pareceu a manipulação de uma criança para que sua performance fosse acentuada (gritos e braços parecem ter sido bem digitalizados para maior dramaticidade).
No mais, e daí?
Filme visto na Lumière em incrível digital, 22 de maio 2009, Cannes
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2 comments:
Olá, primeira leitura que faço do blog; gostei bastante da percepção apresentada, apesar de não ter visto "Enter the void" compartilho quase que do mesmo ponto de visto com relação ao trabalho do Nóe, digo quase o mesmo, porque além dos conceitos técnicos e a forma exuberante mas enfadonha e geralmente genérico de algum outro longa que os filmes dele tem ( vide a linguagem de "Irreverssível" copiada de "aminésia"), eu absolutamente desprezo filmes que existem somente por isso ou para chocar como o caso de "irreverssível". Mesmo assim devo admitir que essas extripulias de formas e assuntos sempre nos deixam de antenas ligadas e curiosos pelo o que há por vir.Bela estratégia de marketing, péssimo para o cinema.
amnésia**
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