Tuesday, January 19, 2010

Se Nada Mais Der Certo


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

O cinema do realizador brasiliense José Eduardo Belmonte, 38 anos, começou no curta metragem com filmes livres e eficazes como Cinco Filmes Estrangeiros (1998), e logo partiu para o longa metragem, onde ele tem dado continuidade a essa liberdade sempre com muita fome no filmar. Já está no seu quarto longa. Fez Subterrâneos (2003), A Concepção (2005), Meu Mundo em Perigo (2007) e, por último, Se Nada Mais Der Certo (2009), um movimentado emaranhado de personagens que ele claramente adora.

Ambientado na caótica paisagem urbana da cidade de São Paulo, onde a sensação de desorientação e dor nos olhos é aumentada pela câmera na mão sempre trôpega, o filme tem fugas esporádicas rumo ao litoral, onde as pessoas parecem recarregar o espírito junto ao mar, e a partir do contato entre elas mesmas.

Os interesses e paixões de Belmonte revelam-se mais claros uma vez longe do cinema, e não tanto ao longo da sessão. Ao pensar sobre o filme, chegamos a uma sensação de admiração que não se faz presente no contato direto, aspecto curioso em relação a uma certa casta de obras.

Há uma citação a Jean Jacques Rousseau, o pensador suíço que muito refletiu sobre a desigualdade. “Uma sociedade só será uma democracia quando ninguém for rico o suficiente para conseguir comprar alguém, e ninguém for pobre o bastante para ter que se vender”. E Belmonte para para montar um slideshow berrante que irá ilustrar o pensamento, de forma mais literal possível.

A partir dai, temos um pequeno grupo de jovens brasileiros, classe média herdada, mas com grandes dificuldades de manter as suas cabeças fora d’água, às duras voltas com o sistema. Contas a pagar, o custo de remédios tarja preta, imposto de renda, drogas ilícitas caras, cobradores, um inferno de vida que leva esse grupo a um ritmo febril de sub-existência, como ratinhos escapando constantemente por túneis e gaiolas da cidade.

O elenco é responsável por dar vida real aos procedimentos estilizados, suplantando a direção estridente de Belmonte, onde câmeras não apenas cobrem cenas, mas parecem tentar depilar os atores. É curioso observar que um nariz está em foco, e o resto do rosto não.

Cauã Reymond, presença cada vez mais natural em filmes (também estava bom em O Magnata) é o nosso personagem central, jornalista de ‘frilas’ que não sabe quando o próximo cheque irá cair... Sua namorada (Luíza Mariani), no sofá chapada e deprimida, é a imagem da perda, e ainda com um filho pequeno para descuidar. Caroline Abas, excelente, é aquela criatura vampiresca com alguns sinais restantes de humanidade, uma traficante da noite. João Miguel (Cinema Aspirinas Urubus) é um taxista que queria ter sido psicólogo.

É uma massa humana e tanto, embora às vezes eles pareçam estar lutando tanto contra as adversidades quanto contra o próprio filme. Talvez seja o cinema refletindo a vida.

Filme visto no Palácio 1, Festival do Rio 2008.

1 comment:

Patricia Guedes said...

mas pra entender: se o elenco foi dirigido pelo Belmonte (e ele não usa preparador de atores) como esse mesmo elenco conseguiu suplantar durante toda a filmagem a direção que era dele mesmo? O elenco inteiro, que está ótimo sem exeção e coeso, fez uma auto direção durante todo um longo processo de filmagem? Não é isso que eles todos falam nos debates. Pelo contrário, mostram quase uma fidelidade canina a ele. Menos, não? Não gostar do filme é uma coisa, mas especulações dessas soam levianas e parecem mais algum tipo de ressentimento ou dogmatismo que é algo estranho vindo de um critico bom como vc. Outras duas observações: Cauã não fez Magnata. Foi o Paulinho Vilhena. E em nenhum momento do filme o personagem do João Miguel diz que quer ser psicologo, mas ir num. Mudando radicalmente de assunto. Vi seu curta em Tiradentes e amei. Beijos